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As aventuras do coração humano estão na base de diversos mitos e de inúmeras obras-primas da literatura quer antiga quer moderna.
Como órgão central que é – autêntico microcosmos à imagem do universo cultural que o concebe –, o coração provoca tanto o amor como a violência, tanto a paixão erótica como a paixão mística, tanto a dádiva do próprio ser como o assassínio sanguinário.
É assim que, da Idade Média até fins do século XVII, encontramos toda uma longa série de estranhas histórias que se misturam numa espécie de culinária do horrível consagrada à devoção amorosa – como acontece no caso de um marido ciumento que mata o amante da esposa para oferecer a esta o coração do morto sob forma de alimento.
Mas a rivalidade entre esposos pode ser substituída pela relação entre pai e filha. E, nesta culinária verdadeiramente macabra, o coração pode ser associado ao sexo do amante.
Para lá das tensões do amor cortês, Milad Doueihi evoca neste livro a imagem do coração devorado. E também mostra como é que a teologia do Sagrado Coração pôde desempenhar um papel determinante nas lendas do coração comido.
Mas estas histórias de consumo perverso também ajudam a esclarecer o mistério da Eucaristia – consumo mágico e místico do corpo de Cristo. Para os teólogos, Cristo permanece como o coração e o centro da história.
Por outro lado, a descoberta da circulação do sangue por Harvey, em 1628, e a física cartesiana contribuíram para que o coração perdesse a sua centralidade simbólica a favor do cérebro. Pouco depois, proporcionando-lhe novas perspectivas, Pascal abriu ao coração as vias subtis da inteligência intuitiva, permitindo-lhe uma articulação entre a mística e a ciência.