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20,5 x 14,8 cm; capa mole com badanas; ilustrações a p/b; 191 páginas
Lisboa, Sistema Solar, 1ª Edição 2014
Traduzido do grego por Alfred Jarry
"Emmanuel Rhoides (Ἐμμανουὴλ Ροΐδης, 28/06/1836 - 07/01/1904) foi um escritor e jornalista grego. É considerado um dos espíritos mais ilustres e revigorantes das letras gregas do seu tempo. Em 1866, Rhoides publicou o seu notório romance The Papess Joanne (Ή Πάπισσα Ίωάννα), uma exploração da lenda da papa Joana, uma suposta papa que reinou durante algum momento da Idade Média. Embora seja um romance romântico, Rhoides afirmou que continha evidências conclusivas de que a papa Joana realmente existia e que a Igreja Católica tinha tentando encobrir o facto há séculos. O livro foi controverso e levou à sua excomunhão da Igreja Ortodoxa Grega."
"Emmanuel Rhoides (1836-1904) tinha nascido nas Cíclades, já iam quarenta e um anos, e não eram alheios à sua erudição os privilégios de um filho de embaixador que vivera em Génova, estudara literatura, história e filosofia em Berlim, levara a sua curiosidade arqueológica ao Egipto e aos restos da civilização dos faraós: tudo evidências de um bom tempo mais tarde enegrecido com o desastre financeiro dos Rhoides, o suicídio de um irmão importante como sustentáculo da família arruinada, a sua demissão do lugar de director da Biblioteca Nacional da Grécia (por causa de panfletos políticos que incomodavam o poder de Atenas), aquela esclerose dos tímpanos que nenhum médico conseguiu travar antes da surdez. Em 1904 a morte levou-o em pobreza e nostalgia; e cortava-o, sexagenário, da Grécia terrena que ele tanto tinha querido amar.
A Papisa Joana («romance histórico», como lhe chamou) continua a fazê-lo pai do melhor texto ficcionado até hoje escrito sobre o que parece supremo embaraço para uma regra central da religião de Roma e causa de uma das agitações que entretiveram os meios literários do século XIX. Acrescentou-lhe dois títulos, nenhum deles ficção (Parerga em 1885 e Ídolos em 1893), hoje nas penumbras da literatura grega embora reconhecidos como brilho forte da sua erudição.
A papisa [Joana], que no século XIX teria podido vir a exemplo para defesa dos direitos da mulher aos lugares «masculinos» que lhe estão vedados, só foi em Rhoides (ortodoxo ferido pelos cultos degradados e supersticiosos dos cristãos) um mergulho nas águas medievais onde as religiões do Cristo viveram os mais negros dias da sua história. Fê-lo com ironia e sedução verbal, arrastando até à luz uma das suas lendas ou realidades mais incómodas — o supremo ataque contra a exclusividade masculina defendida pela interpretação autoritária dos textos sagrados. E levou a termo uma cruzada de ironização de bulas e relíquias, de baixas formas de fé que existiam e persistem nos permissivos tiques da religião popular, as que se nomeiam com o pejorativo da palavra «crendices». Talvez com espanto do autor, a recuperação de uma «verdade histórica oculta pelo Vaticano», e através dela o exercício de «uma análise crítica do vinho religioso que na Idade Média os povos do Ocidente bebiam nas bulas dos taberneiros de hábito», acertou em cheio num escândalo. Espalhou-o na letra de muitos exemplares vendidos, fez exaltar ânimos, alvoroçar autoridades, e provou sobretudo que a papisa continuava incómoda e era a lenda menos lendária das religiões do Cristo. [Aníbal Fernandes]"