Este livro está na lista de favoritos de 2 utilizadores.
1974
Pela primeira vez é traduzido em Portugal um dos maiores prosadores de língua francesa: Léon Bloy. Polemista em permanente estado de indignação, o seu génio da invective teve a servi-lo um estilo majestoso e uma imaginação exaltada. Sob a torrente verbal não havia adversário que resistisse. Mas a truculência de linguagem, se é um aspecto importante da personalidade literária de Bloy, não constitui a sua faceta fundamental. Na «Belle Époque» Bloy era uma presença incómoda e uma voz acusadora que perturbava os festins escrevendo nas paredes advertências inquietantes. Nada e ninguém escapava à sua cólera sagrada - o naturalismo, o positivismo, o cientismo, o racionalismo, os escritores bem pensantes, o cristianismo decorativo e oficial. Grande anarquista cristão, marginalizado pela Igreja, que não o reconhecia, pela sociedade, que o ignorava, pelos literatos, que o temiam e hostilizavam, Bloy era um solitário que no silêncio, longe do fragor do combate, escrevia páginas sobre o dom da poesia correspondida à capacidade visionária.
Neste romance autobiográfico (quase toda a obra de Bloy, na qual avulta um diário em oito volumes, publicados com diversos títulos, é, aliás, uma confissão pública) está o retrato em corpo inteiro do autor: poeta e profeta, contemplativo e combativo, sereno e exaltado, sublime e grotesco, dilacerado entre a esperança e o desespero. Para além das cóleras, e das injustiças, e dos excessos verbais, a imagem que se nos impõe é a de um escritor em luta com os outros e consigo próprio, intransigente nas suas convicções e servido por uma prosa descomedida.
Escritor maldito como Baudelaire, procurando erguer-se da podridão à contemplação da beleza, Bloy está, por 'outro lado, próximo da Dostoievski e de Camilo, pela descoberta do significado redentor do sofrimento. Expluso da boa sociedade, quase ignorado no seu tempo, Bloy obteve a recompensa mais alta de, entre afilhados, discípulos, continuadores, contar nomes como o do filósofo Maritain e do pintor Rouault, e dos escritores que, em França e fora dela, combateram na mesma linha: Bernanos e Julien Green, Giuliotti e Papini, Gustabo Coração e Octávio de Faria.