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Um romance a duas vozes – um homem, uma mulher – sobre o modo como as suas vidas se cruzam e descruzam, até que a morte, inesperadamente, arrancou a mulher, ainda jovem, aos seus projectos políticos e pessoais. A carreira política da mulher afastara-a desse homem, um ex-militar da guerra colonial, bastante mais velho, que começara por ser seu aluno e depois se transformara no seu mais íntimo amigo. O livro indaga incessantemente de que matéria se faz esse exercício de compromisso a que chamamos amizade. A mulher fala já do lado de lá da vida, num lugar intermédio onde tudo observa e em nada pode interferir. Ela recorda o que viveu com ele, ele recorda o que viveu com ela – e essas memórias, factualmente idênticas, narram duas histórias diferentes: cada um deles tem a sua versão dos mesmos acontecimentos, e essas versões nunca coincidem. Este é um romance sobre o poder dos pequenos equívocos e a solidão irredimível da experiência individual. É também um romance sobre um erotismo que extravasa o amor, e sobre Deus ou a sua ausência - esse Deus em que a mulher acredita e que, para o homem, é apenas um personagem de ficção. Une-os, todavia, a fé nesse encontro definitivo entre dois seres – na concordância como na discórdia, na presença como na ausência, no corpo como na alma, mesmo quando a morte os separa. Uma fé no possível que se afirma ainda quando o impossível foi declarado. A voz feminina continua a falar, do lado da morte, como se essa mudança fosse apenas um pormenor: "talvez não haja idades. Só mortos ressoando pelos canais do Tempo, mortos que, como ímans, aproximam e afastam os que ainda não morreram. Tu trazias tantos mortos na sombra do teu sorriso." E por isso a voz masculina dirá que "Deus é uma conspiração de mortos contra a amnésia dos vivos."