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Neste mundo, três indivíduos corromperam os homens: um pastor (Moisés), um curandeiro (Jesus) e um cameleiro (Maomé). Antes do advento dos protestantes que afrontaram a Igreja Católica, muito antes que padres e estadistas fossem levados a apagar as suas fogueiras, já as mentes inquietas de ateus e agnósticos fervilhavam na clandestinidade. É isso que revelam os dois opúsculos blasfemos aqui reunidos, com organização e prefácio de Raoul Vaneigem. De um lado, A Arte de Não Acreditar em Nada, escrito inflamado que levou o seu autor, Geoffroy Vallée, em 1574, aos vinte e quatro anos, a ser enforcado em praça pública e queimado ainda vivo, é um verdadeiro tiro ao alvo à cabeça das religiões – acusando-as de obscurantismo, criadoras de cretinos em série, fiéis fanáticos e ignorantes. Do outro, o Livro dos Três Impostores, de autor anónimo, obra mítica que poderá ter circulado num manuscrito na Idade Média e que aqui se apresenta nas duas versões que chegaram até nós (uma redigida no século XVII, outra no século XVIII), injuria directamente os profetas das três confissões abraâmicas – Moisés, Jesus e Maomé –, recorrendo a invectivas violentas e desmascarando charlatães versados na oratória, ilusionistas místicos com intenções megalómanas. As duas obras, que em comum têm uma herética vontade de desafiar a opressão, não só contribuem para desmontarmos, hoje, a ideia de uma época anestesiada pela fé e submetida ao cilício, como nos dão prenúncios de que, onde quer que a tirania se manifeste, ela lá encontrará a resistência.
Lisboa, Antígona, 2019
152 páginas