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Anício Torquato Severino Boécio (480-524 d. C.) é uma das figuras mais fascinantes da história da cultura ocidental. Nascido na família dos Anícios, cristãos desde o século IV, pertence à mais alta aristocracia. Esta família deu a Roma dois papas e um cônsul, o pai de Boécio, após a morte do qual, o jovem foi adotado pelo nobre Símaco, com cuja filha, Rusticiana, acabou por casar.
Boécio recebeu a melhor educação possível no seu tempo, dedicando-se ao saber numa primeira fase da sua vida, que depois procurou pôr ao serviço do bem comum, seguindo os preceitos de Platão, dedicando-se à política, em que teve uma ascensão fulminante: cônsul em 510 d. C., com cerca de trinta anos, alcançou o cargo de magister officiorum, lugar de topo na corte do rei Teodorico.
Vítima de intrigas palacianas, é acusado de traição e cai em desgraça em 523, entrado na casa dos quarenta anos, precisamente quando estava no auge da sua riqueza e poder. Encarcerado em Pavia, escreve na cadeia a Consolação, em que narra como lhe aparece a Filosofia, sob a forma de uma mulher, que dialogando com ele o consola e o conduz do seu profundo desespero até «à alegria de quem alcançou a verdadeira felicidade».
A Filosofia, que representa o melhor da sabedoria antiga, se não é, como diz Abelardo, um alter ego do próprio Boécio, vai conversando com ele, procedendo a uma indagação racional das questões fundamentais e perenes da condição humana, na sua busca de felicidade e de compreensão do mundo.
A vasta cultura do nosso senador, única coisa que ninguém lhe pôde tirar, transforma-se agora, graças à derrocada de todas as perspetivas humanas, num conhecimento que lhe permite enfrentar as suas tribulações, e já não é apenas cultura, mas passa ao patamar da sabedoria. Esta sabedoria é sobretudo distanciamento e uma compreensão racional das suas circunstâncias, numa formulação que ultrapassa largamente a sua situação pessoal e tocará as almas de muitos homens, muito depois da sua morte.
(Do texto de introdução de Luís M. G. Cerqueira)