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Dez anos depois de Cemitério de Elefantes , este reencontro com Dalton Trevisan.
Naquele tempo, Dalton era um grande nome do conto brasileiro, já consagrado pela crítica. Hoje, é um grande nome do conto mundial, traduzido para muitas línguas e objeto de inúmeras teses. O essencial é que nestes dez anos tivemos a edição ou reedição (e no caso de Dalton uma reedição é virtualmente uma nova primeira edição, pois ele reescreve a maioria de seus trabalhos) de uma dezena de livros do mais alto nível literário, que fixaram definitivamente a nova imagem do conto no Brasil. Uma imagem que tem sido imitada e mesmo copiada por duas gerações de contistas mais jovens. Afinal de contas, todos nós precisamos de um mestre. E ele aí está em Novelas Nada Exemplares , Morte na Praça , Cemitério de Elefantes , O Vampiro de Curitiba , Desastres do Amor , Guerra Conjugal , O Rei da Terra , O Pássaro de Cinco Asas , A Faca no Coração , Abismo de Rosas , A Trombeta do Anjo Vingador .
Um crítico musical escreveu com admiração que Beethoven repetia interminavelmente as mesmas frases melódicas, e nisso estava o seu gênio. Nunca se satisfazia com a forma inicial nem com as formas sucessivas, pois a criação é um salto para o eterno. Não vou comparar Dalton a Beethoven, mas o fato é que observação análoga tem sido feita mais de uma vez a respeito de seus contos recentes, que repetem os desencontros e conflitos de João e Maria, de todos os Joões e Marias de uma Curitiba irremediavelmente küscb. Não o comparo a Beethoven, mas não posso impedir que ele me lembre insistentemente Jerônimo Bosch, seja no seu Universo dos Infernos Sexuais, seja no seu Jardim das Delícias Terrestres, tão populares na Idade Média, cujos costumes e vícios representavam.
Os últimos livros de Dalton Trevisan, especialmente este Crimes de Paixão , mostram-nos a minuciosa descida do escritor aos infernos particulares, criando com as várias histórias uma espécie de painel grotesco, com rasgos de patético e beleza contrastantes. Já se disse de Bosch que ele utilizava perversões obscenas como elemento de crítica moral. Neste ponto, não podemos dizer que Dalton nos vem com intenções moralizantes, não é sequer um satírico (talvez só um pouquinho sádico no deleite com que nos descreve as pequenas misérias, as frustradas devassidões, os fetichismos impotentes).
Seu estilo mudou muito desde os tempos de Joaquim e daquelas brochurinhas que iriam revolucionar o conto brasileiro. Sendo um escritor visceralmente literário, com a preocupação obsessiva da perfeição, ele se distancia cada vez mais do ""estilo literário"", desfazendo-se de tudo o que lhe parece supérfluo no texto ficcional. No encalço de um realismo absoluto, mudou o enfoque de suas histórias, deixaram de ser narradas para serem vividas. Poucas vezes sentimos nelas a presença do ""autor"". É um despojamento que já começa a beirar o hermetismo, como se o próprio escritor não soubesse às vezes o que se passa ou o que pensam seus personagens. A frase de Dalton é cada vez mais curta, reduz-se ao mínimo, ao essencial. O uso do diálogo é uma forma que ele encontrou para se imiscuir o menos possível na fabulação. Seu conto aspira a retirar a parede entre a ficção e a realidade. Sem deixar de ser conto. Porque estamos diante de um escritor que me parece o mais profunda e angustiadamente convencido de que o ato de escrever, de criar, envolve uma responsabilidade sem limite, como função principal de sua vida.
- Fausto Cunha
Amarelados no exterior das páginas.