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Quando um homem perturba uma ordem que parecia imutável…
Um homem aparece numa pequena aldeia costeira. Afável e atraente (apesar do seu aspecto pouco convencional), bom ouvinte e exímio contador de histórias – principal-mente sobre a vida dos grandes artistas – afirma-se como uma personagem simultaneamente misteriosa e solitária. É visto amiúde a desenhar na praia, o que suscita a curiosidade de quem habita um lugar onde pouco ou nada acontece. Apresenta-se como pintor retratista e depressa conquista a simpatia (e, em alguns casos, algo mais) de quem com ele trava conhecimento.
Não tarda muito para que se torne o pólo de todas as atenções. As suas teorias sobre a vida e os sentimentos dão volta a muitas cabeças e quando anuncia que não tem dinheiro a confusão é geral. Como modo de saldar as dívidas (e não só) oferece-se então para pintar o retrato de quem o deseje. E quase todos o desejam: as primas, donas da residencial; Flor, a jovem que resiste ao seu charme; Maria, a amiga de Flor; a velha Catarina; Mariana, a professora; Solange, a dona da papelaria, e o noivo Zé Luís, bancário; o senhor António, oculista; o doutor Ramalho, farmacêutico; os donos do café; e até o Presidente da Junta de Freguesia, que vê nele um veículo de autopromoção. Nesse microcosmo, em que todos necessitam de todos para que a vida ganhe novos contornos, o pintor vai desestabilizar uma ordem pré--estabelecida que parecia imutável.
Ana Nobre de Gusmão faz-nos reflectir sobre as relações humanas, desfazendo teias, recriando afectos e dando forma a um universo simultaneamente interior e social, com os seus pequenos desastres e as suas grandes vitórias.