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Se matar um pai é fácil, rápido e indolor, muito menos fácil, rápido e indolor é interpretar o gesto. O protagonista anónimo de O dia em que matei o meu pai procura indícios para entender o crime que cometeu. É um detective que colhe provas dentro da sua própria cabeça. Recorre a todos os instrumentos que já foram inventados, para analisar os nossos impulsos mais primários. Invariavelmente, demonstram-se inadequados. Despistam mais do que esclarecem. Filosofia, religião, psicologia, ciência comportamental: tudo parece ridiculamente impróprio para explicar a bestialidade humana...
O parricida apresenta-nos também o seu romance inacabado. Ao ler esse romance dentro do romance, a nossa voracidade interpretativa leva-nos imediatamente a procurar símbolos, a traduzir metáforas, a ler nas entrelinhas.
Não adianta nada. A literatura não revela: ela esconde, dissimula. Mario Sabino não veio para confortar. Com coragem, com malícia, com graça, ele prefere perturbar, desmontando tudo aquilo que a nossa inteligência concebeu na frustrada tentativa de dar um pouco de ordem e sentido à realidade.
Matar é simples. Difícil é saber porque matamos.