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Contos Bárbaros, sobre ser um título, é um universo. Quem quiser conhecer o homem, não vá mais longe: pegue nos Contos Bárbaros e leia as histórias de João de Araújo Correia.
Ali verá a velha que sobrevive a si mesma, e volta pontualmente à feira que já não existe, e morre como vivera: numa esquálida solidão de bicho. Ali verá o avô que, cioso do que amorosamente guardara para o neto, o mata, tomando-o, no escuro da noite, por ladrão. Ali verá o viúvo assisado que, depois de criar os filhos, perde a cabeça por uma rapariga. Ali verá a fidalga, modelo de formosura e de bom senso, que vem a casar com o mais desinfeliz dos seus criados. Ali verá o lavrador honrado que, perseguido pelo infortúnio e pelos credores, escolhe com sinistra serenidade a sua própria morte. Ali verá o doutor malcasado que descobre a graça feminina numa camponesa e paga com a morte um irreprimível gesto de ternura. Ali verá, em certo Natal, um Menino Jesus de carne e osso oferecido ao devoto beijo dos fiéis - um recém-nascido abandonado nessa noite sagrada à porta da igreja e logo perfilhado. Ali verá a Rosa desfolhada e murcha, que readquire, porém, novo viço e novo perfume depois de tratada carinhosamente pelo jovem médico, que a mata no momento em que sobrepõe o dever profissional ao sentimento humano. Ali verá, enfim, o velho soldado que vive só da medalha que, logo depois da sua morte, é dada como brinquedo a um garoto, que, desaparecido o encanto da novidade, a esquece na lama da rua.