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“«Contos coloniais», o subtítulo desta obra remete-nos para a área de uma literatura específica: A literatura colonial. Uma longa e atormentada época, dada em termos literários, do ponto de vista europeu. Daí que o centro do universo dessa literatura seja o homem branco. O colono. O que mandava abrir as estradas, o que mandava construir as pontes, o que fundava as cidades, o que mandava levantar as habitações de pedra e cal ou os arranha-céus de betão. O que vendia a fuba, o vinho. O que penetrava nos sertões, o que comerciava, o que catequizava, missionava, o que militarizava, o que administrava, o que, aos domingos, dias santos e feriados, mandava içar a bandeira portuguesa em todas as terriolas, signo emblemático da soberania portuguesa personalizada na autoridade administrativa colonial, nessa terra imensa, catorze vezes e meia maior do que Portugal [«continental…»].
Enfim, o que mandava, o que dominava, o que oprimia, reprimia.
[…]
No fundo, e em resumo, a substância de que se nutrem as cinco narrativas é a coisificação colectiva do ser negro. O ódio. o rancor, a incapacidade de compreender e aceitar, o desdém, a animalização do homem negro, aqui se exprimem com veemência. Mas não se julgue que a mensagem não passe de um protesto directo, raivoso, panfletário. De modo nenhum. O enunciado desenvolve-se a um nível profundo. Sem um comentário exterior, sem uma extrapolação. O objecto é simultaneamente o próprio sujeito do narrado. O autor torna-se obscuro e as contradições evidenciam-se através de um processo estilístico comum a vários escritores africanos e que algures já assinalámos: a ironia. É como se vivêssemos uma farsa continuada. Uma farsa trágica, claro. Aliás, os narradores são vários e nisso se evidencia uma experiência estilística perfeitamente conseguida que é a de uma fala adequada aos protagonistas: colonos, negros, administradores, tropas, funcionários, etc.” in Prefácio de Manuel Ferreira