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Mas tudo começa numa manhã chuvosa. Uma mulher prepara-se para saltar de uma ponte de Berna. Raimund Gregorius, um banal professor de grego e latim de 57 anos, evita o acto desesperado e fica surpreendido com o som de uma palavra. Português, responde ela, ao ser questionada sobre a língua que fala.
Antes de desaparecer da história ainda tem tempo de escrever um número de telefone na testa deste míope professor que descobre, por acaso, um livro de um autor português, Amadeu Inácio de Almeida Prado, intitulado Um Ourives das Palavras. Sem conseguir explicar porquê, entra num comboio para Lisboa atrás deste médico que morreu 30 anos antes, em 1975, pouco depois da Revolução, numa descoberta do outro que acaba por ser uma descoberta de si próprio.
Amado pelos pobres que atendia de graça no seu consultório, Amadeu passa a ser rejeitado pelo povo no dia em que aceita tratar o "Carniceiro de Lisboa", assim conhecido por ser chefe da polícia política. Integrará posteriormente a resistência contra o regime de Salazar.
Porquê Portugal? Porquê a ditadura de Salazar? Estas são as perguntas mais feitas a um autor que admira Pessoa, "esse gigante da literatura", há mais de 20 anos, e escreve um livro do desassossego com a escrita de Prado a assemelhar-se aos textos do poeta português. Pela sua cultura, pela sua atitude de outros tempos, Raimund precisava de um ambiente de século XIX e Lisboa é a grande cidade europeia que mais se aproxima pelo seu aspecto, pela sua topografia, afirma Pascal Mercier, para quem a principal razão para escolher Lisboa e Portugal prende-se com o pai de Prado, um juiz em funções durante uma ditadura, mas que não trabalharia sob as ordens de Mussolini, Hitler ou Franco. "Salazar era diferente. Era um intelectual brilhante, era muito inteligente, culto, de uma brutalidade mais subtil que poderia seduzir pessoas como o juiz Prado e só nas ditaduras se dão as condições necessárias para tratar os problemas morais no contexto político."