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«É, enfim, pela Maria que me chegam os murmúrios do exterior, os rumores mais secretos, e até – palavra de honra! – algumas críticas. [...] Sou um prisioneiro. Sim, um prisioneiro. Governo o Estado há 23 anos. Mas para isso era preciso que alguém me governasse a mim.»
António de Oliveira Salazar
Vendo chegar a sua viatura oficial com o porta-bagagens carregado de lenha por indicação da governanta, António de Oliveira Salazar advertiu-a, irado:
– Os carros do Estado não são para carregar lenha! Não consinto! Não consinto!
– Merda, merda, merda! – retorquiu-lhe Maria de Jesus. – A lenha não é para mim! A lenha é para o Salazar!
Talvez a nenhuma outra mulher em Portugal tenha sido possível lançar diretamente a palavra de Cambronne ao fundador do regime do «Estado Novo», durante as quatro décadas em que esteve no poder, sem ser de imediato sujeita a detenção e interrogatório pela polícia política. Este era o poder simbólico daquela a quem chamavam simplesmente Dona Maria ou Senhora Maria – o de possuir, como mais nenhuma mulher num sistema onde os colaboradores do ditador eram quase todos homens, a total confiança do governante que foi figura central do século XX português.