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Edição Teorema de 2000
Tradução de Jorge Fallorca
Não procure a leitora, ou o leitor, nestas memórias, as belezas da literatura, já que nunca foi esse o seu propósito. Há-de descobrir nelas, isso sim, tudo o que contêm de insólito, aventureiro e electrizante, o que não é pouco.
Thomas de Quincey, o melhor glosador destas páginas de Catalina de Erauso, deixou dito, em palavras exactas: “As suas memórias estão carregadas de electricidade pelos factos que lhe dão corpo; por outro lado, na forma de contar esses factos, são de uma secura sistemática”.
Efectivamente, a Freira Alferes não foi mulher de letras mas de acção, embora confesse “ler bem o latim”, e a sua crónica deslumbra-nos, pela força da narrativa e não por floreados de estilo que nenhuma falta lhe fazem. As boas histórias são assim.
Catalina de Erauso (1592-1650), popularmente conhecida como a Freira Alferes, foi uma soldada, freira e escritora espanhola que se fez passar por um homem com o nome de Alonso Díaz Ramírez de Guzmán, entre outros. É uma das figuras mais lendárias e controversas do Século de Ouro Espanhol, em parte devido a esta autobiografia romanesca que só foi publicada em 1829.
Catalina refere alguns encontros sexuais com mulheres nas suas memórias, como o episódio em que um estalajadeiro a apanhou a “passear com a filha entre as pernas”, e admitiu ainda ter-se aproveitado do seu disfarce de homem em duas ocasiões para obter presentes dos seus futuros noivos, que desconheciam a sua verdadeira identidade.
A própria Catarina nunca se referiu explicitamente à sua orientação sexual (embora a distinção entre heterossexualidade e homossexualidade não existisse no seu tempo), e foi sugerido que o seu travestismo ou encontros com mulheres eram meramente estratégicos. No entanto, inúmeras fontes contemporâneas referem-se a ela como sendo lésbica.
Como viveu como homem durante grande parte da sua vida e usou pronomes masculinos, foi sugerido que era uma pessoa transgénero, seja um homem transgénero ou o que hoje se chamaria uma pessoa não binária.