O Soldado Prático

Edição Sá da Costa de 2008

O Soldado Prático inscreve-se no quadro da chamada literatura “negra” dos Descobrimentos, que oferece uma visão desidealizada da expansão ultramarina, em contraste com as crónicas celebratórias de autores como João de Barros. Neste corpus se incluem a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e a História Trágico-Marítima compilada por Bernardo Gomes de Brito. Em conjunto, estas obras configuram uma memória crítica do império, revelando o seu custo humano, moral e político e contribuindo para uma visão mais complexa da presença portuguesa no mundo.

Esta é assim uma das mais notáveis obras de reflexão crítica sobre o Estado da Índia e um documento central para compreender a fase de declínio da presença portuguesa no Oriente. Redigida em forma de diálogo, apresenta uma conversação entre um interlocutor e um soldado veterano, que, a partir da experiência adquirida ao longo de décadas de serviço, constrói um retrato lúcido e profundamente crítico da administração portuguesa no início do século XVII — período marcado pela União Ibérica e pela crescente fragilidade do império asiático.

O texto denuncia a corrupção generalizada, a venalidade dos cargos, o predomínio de interesses privados sobre o serviço da Coroa, a má administração das finanças e a degradação das estruturas militares e morais.

Além do seu valor literário, o texto de Couto é também uma fonte histórica de primeira ordem: pela posição que o autor ocupou como cronista oficial das Décadas da Ásia, detinha acesso privilegiado a documentação e testemunhos, o que confere ao diálogo uma densidade rara. A obra articula, assim, história, análise política e reflexão moral, constituindo uma peça fundamental para compreender o pensamento crítico português em plena época filipina.