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Edição Seara Nova de 1976
A literatura é um trabalho? O desespero dos explorados
é um trabalho que deve trabalhar as leis e a ordem
e nunca o contrário? Este trabalho não devia ter sido feito assim? Julguem.
É que quero deixar dito sincreticamente enquanto
artista e funcionária pública que a ordem e a disciplina e o discurso severo das instituições que servem o poder dos mais poderosos são dementes e caóticos.
Servirá este trabalho para dar sinal, embora sem rigor, do imenso teor de ambiguidade e absurdo de instituições ratificadas pelo sistema legal aparentemente razoável por que somos regidos. Tal não era o meu objectivo ao iniciá-lo e não duvido que ele não se me teria tornado tão aparente, não fora eu definindo-me cada vez mais (por tentativa e erro) como membro dessa casta um pouco à margem de toda a institucionalização - produtor perplexo que ainda que viva bem não vive do seu trabalho específico - o escritor português.
Foi pois este trabalho iniciado sob o signo de equívocos, para não dizer logros, que só no seu decorrer se me tornaram radicalmente visíveis. A sua designação inicial que, de humilde, passou no decorrer do tempo a demasiado ambiciosa era: «Estudo Experimental: Doença Mental e Indústria» e deveria processar-se no âmbito das actividades de investigação em Ciências Humanas Aplicadas à Indústria do Serviço de Produtividade do Instituto Nacional de Investigação Industrial do Ministério da Economia. O sujeito do dito estudo seria eu, funcionária do organismo referido. O objecto seria uma amostra reduzida de trabalhadores da Indústria submetidos ao foro do Ministério da Saúde, após devidamente ratificados pelas autoridades competentes como doentes mentais.
Até aqui, tudo parece claro, pois que nada se lhe der. Só que o real que esses nomes ocultam inquieta se só atentarmos aos nomes cordatos que não é ludibriável, e, ao mergulharmos na sua espessura, ao ressentir-lhe como monstruosas as contradições, ao averiguar-lhe da génese, certas designações e a trajectória e atitudes nelas implícitas nos parecem risíveis, senão totalmente monstruosas.