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Primeiro livro do autor, há muito esgotado.
Encontrar, hoje, um livro de poemas que nos dê consolo é mester de difícil conseguimento. A gente pega neles e fica entre o espanto e a repulsa, como se um tigre saísse dos nossos dedos e pedisse ao papel licença de destruição. As prateleiras das livrarias suportam, todos os dias, muito engano poético. E só não vergam por ser leve de alma muito do que sobre elas se depõe.
Neste livro, a vida move-se num mundo de acre desencanto em que cada dia é de mel amargo (“Os trôpegos sinais do amanhecer/ condenam-te a mais um dia/ em que nem morte nem vida se resolverão/ na imperícia dos teus gestos. Sabes que não há/ outro cantar, outra paisagem mais desolada que fosse./ E contudo uma desvairada melancolia explode/ na aridez do teu corpo magro”), e a noite o lugar onde se pede o abraço, piedoso, da luz (“é o amor que de novo irás mendigar/ às portas agrestes e deslumbrantes da noite”).
Todo o urdir poético de Manuel de Freitas se pauta por um acentuado vigor, e por um vigiado rigor, tudo é claro e preclaro, tudo são nacos de silêncio amarrados ao engano do sossego. Neste livro já está todo o rumor da sua poesia (os grandes poetas não têm primeiro livro), essa espécie de lume, e de rasura, com que se escreve as horas de ter mundo, nele já há um como que rever, macerado, das linhas do tempo. Aqui tudo é dito rente ao fel e ao sangue, sem rodeios de asas, nem crivos de peito (“Parte/ ao amanhecer como quem se esqueceu/ de regressar.// Encontrarás as horas iguais a/ si mesmas, a forca no lugar certo.”).
Impiedosa, a obra de Manuel de Freitas coloca-o, a lacre, dentro de um rol, apertadíssimo, de poetas portugueses. Ficará, desde Todos Contentes e Eu Também, no para sempre de um dizer poético, e no rascunho de uma caligrafia. O seu desassombro discursivo chegou com a lisura de a tudo dar um nome, o seu dizer silabado colocou novas palavras dentro do silêncio.