Sê o primeiro a adicionar este livro aos favoritos!
Edição Húmus de 2010
Tradução e prefácio de João Barrento
Woyzeck é o mais (in)acabado exemplo de "drama aberto" da dramaturgia pré-moderna. Não se saberá nunca o que seria esta peça que não chegou a sê-lo, se Georg Büchner não tivesse morrido prematuramente, de tifo, aos vinte e três anos, no exílio suíço.
Poderia ter sido um libelo acusatório contra o feudalismo reinante nos territórios alemães em plena era liberal, ou então o testemunho dramático do mais negro "fatalismo da História", a que alude na carta à noiva de Março de 1834.
Os fragmentos dos quatro manuscritos de que dispomos poderiam ter evoluído para uma tragicomédia absurda da qual saltasse a imagem ampliada da grande opacidade, impenetrável, da natureza humana (como na farsa trágica Leôncio e Lena).
Ou também numa monumental sátira, escrita da perspectiva atomista-materialista, céptica e cínica, do médico e do pensador anti-idealista Georg Büchner. Nunca seria certamente apenas mais um caso de teatro de boulevard ou popular, uma mera tragédia de ciúmes.
Assim, fragmentária e redundante como nos chegou, é matéria movediça e fulgurante, como a dos sonhos. Matéria que configura dramaticamente uma existência singular e exemplar, entre o humano e o criatural, a do homem Woyzeck, soldado-cobaia, homem-escravo de outros, corpo-com-alma.
E matéria para experiências estéticas, um proto-drama, a matéria-prima com que a arte busca chegar próximo do enigma de uma vida. De forma ingenuamente espontânea e cinicamente majestosa. E absurda.
A existência, qualquer existência, sempre singular e resistente a todos os determinismos, é pura manifestação do absurdo. Woyzeck sabe-o, muito antes de Ionesco ou Beckett, quando pergunta: "E por trás disto o que é que está? Qualquer coisa que não entendemos".