A mentira na relação a dois

<A mentira, alicerce do casal? Quando manejado habil- mente, não será este um dos meios mais usuais e eficazes para manter unidos, na ilusão do mais perfeito entendi- mento, dois seres que tudo (ou muita coisa) começa a afastar? Um artificio para colmatar as brechas que pode- rão, com o tempo, tornar-se verdadeiras fracturas? A hipótese pode parecer absurda: se amamos, não menti- mos. Como podemos sequer pensar nisso? Amor e con- fiança são a mesma coisa. Seja! Mas conjugar amor e ver- dade pode ser igualmente insustentável: qual a liberdade de um ser obrigado a viver sem privacidade? Se a autonomia é um dos direitos fundamentais do ser humano, será mais correcto exigir-lhe que renuncie a essa autonomia e não minta ou aceitar que exerça esse direito mentindo? E como respeitar o outro, se o ofendemos com a verdade? (...)

Será a verdade no casal um instrumento de tortura? Será a mentira uma condição de sobrevivência? Tal e qual, nada disto tem sentido: a mentira depende da verdade e, se ela tem uma função, é em complementaridade com a verdade que também se diz num casal. O totalmente falso é tão inconcebível quanto o totalmente verdadeiro: verdade e mentira só existem inseridas em e através da relação que estabelecem. Cada casal, consoante o equilíbrio alcançado, decide implicitamente tanto a parte de verdade co- mo a parte de mentira que é capaz de suportar.>>>