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Com a publicação deste romance O Inimigo Sorridente, Leonardo Consei retoma a sua aventura literária de pelos caminhos da prosa de ficção reinventar um mundo de experiências feito no correr dos anos. Pouco se sabe do autor que se esconde atrás deste pseudónimo literário (apesar de ser este o seu terceiro livro publicado no espaço de cinco anos), mas bem se poderia dizer que, pelos incidentes e acidentes da própria vida, muitos foram os papéis acumulados e, já na curva descendente, arrumadas agora as gavetas, tudo se ordena para desse modo reabilitar uma visão pessoal do mundo e da vida. Não existe nisso nenhuma estratégia de glória, mas tão só o desejo de dar testemunho de como se pôde encher e cumprir uma vida nos altos e baixos de todas as suas canseiras e sobressaltos.
De facto, ao contrário dos dois anteriores livros de contos, Leonardo Consei atinge com O Inimigo Sorridente uma qualidade literária digna de registo, não só por se atrever a falar de um tempo português que foi o seu, vivido ou dividido entre os anos do fascismo salazarista e as contradições, triunfos e derrotas depois de Abril de 1974, mas sobretudo por ter sabido reinventar esse tempo, mesmo na suposição ou paralelismo das personagens fictícias e reais, e assim dar testemunho, no entrelaçar de pequenas histórias cruzadas, de como era realmente muito cinzento e triste o tempo vivido entre os "ugueses" antes de Abril ou como se manifestou desencantado, com um futuro adiado ou roubado depois de 1974.
Sem ter sido um directo e activo participante no processo político ou social, o narrador de O Inimigo Sorridente, pelo artifício literário de ter sabido inventar esta espécie de "fábula" passada num país (Ugal) habitado por "ugueses", e sem querer confundir propositadamente todas as águas, quase apela para que o leitor decifre ou descodifique todas as cenas, personagens e lugares em que decorre a acção deste romance ou pelos caminhos da memória recupere esse tempo passado entre desmandos de toda a ordem antes e depois de Abril ter chegado. Claro, não se trata de um labirinto cerrado em que tudo seja "inventado" ou meramente "imaginado". Não. Toda a estrutura romanesca deste romance de Leonardo Consei se estabelece como forma narrativa de relembrar, por uma memória vigilante e atenta, como tudo se passava nesse país chamado Ugal: cenas amorosas, assédio sexual, assaltos e fugas, discussões e conspirações, atrevimentos e cumplicidades, prisões, humilhações e cedências de toda a espécie, sob os olhares vigilantes de uma polícia que no romance tem outra sigla (mas é a mesma de que sempre nos lembramos) ou mesmo das instituições que tudo comandam e ainda hoje comandam.