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Uma ficção sobre as vidas paralelas, de um músico e de um cão.
«- E que nome vai dar ao cão?
Fiz-lhe um sinal quase impercetível e ela compreendeu que ainda não tinha chegado a altura da decisão.
- Ele ainda não tem nome? - Voltei a perguntar, não que não soubesse a resposta, mas porque pretendia arranjar uma forma de ganhar tempo.
Fez-se silêncio e, amavelmente, a Dr.ª Catarina exclamou, adivinhando-me os pensamentos:
- Tem tempo. Não temos pressa… - depois, quase pediu desculpa - temos é de resolver o assunto até registarmos o chip, mas tenho umas coisas para tratar e já volto. Está bem para si?
Estava. Estava bem. Sentado na sala de espera do canil municipal de Sintra, eu olhava para o patudo, que me mirava também. Encolhido a um canto, tentando abrigar-se na pequena planta do vaso no outro canto da sala, o cão nem se atrevia a encarar-me. Ou encarava-me, de soslaio, quase tapando os olhos com a patinha e espreitando por entre os dedos.
Comecei a imaginar nomes, mas havia qualquer coisa. Qualquer coisa em cada nome que não era o nome para este cão.
Ele continuava a tremer, encolhido. Eu, sentado naquela sala deserta - efeitos da pandemia, em maio de 2020 - não sabia o que fazer.
Relembrei meu pai, e as sessões de «escolhas de discos» a seguir ao almoço, à hora do café, na minha infância e adolescência. Senti na pele, talvez pelo olhar triste do cão, a Fantasia-Improviso Opus 66. E decidi dar ao cão o nome desse enorme compositor e pianista.»