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Na sua célebre carta a Adolfo Casais Monteiro sobre a génese dos heterónimos, de 13 de Janeiro de 1935, Fernando Pessoa esclarece que Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1.30 da tarde), sendo engenheiro naval (por Glasgow), embora à data da carta, se encontrasse em Lisboa inactivo. E acrescentava: «Álvaro de Campos é alto (1,75 m de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se.» Tinha, como os outros heterónimos, a cara rapada. E ainda: «Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo.» E também: «Álvaro de Campos teve urna educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.»
Mais dizia Pessoa, na mesma carta, que escrevia em nome de Campos «quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê».
Face aos outros dois heterónimos principais da criação pessoana, Alberto Caeiro com o seu espontâneo «antilirismo» e Ricardo Reis com a sua reelaborada postura de matriz clássica, estóica e horaciana, Álvaro de Campos surge-nos como o «futurista», sensível à máquina, à aceleração, à trepidação da realidade, à intersecção de planos da vida e da imaginação («sentir tudo de todas as maneiras»), tão capaz do excesso dionisíaco e da eloquência whitmaniana, como também de uma certa e lúcida morbidez melancólica, anestesiada e cansada («a minha vida, cânfora na aurora»).
Para ele, «não há beleza, como não há moral, como não há fórmulas senão para definir compostos. Na tragédia físico-química a que se chama a Vida, essas coisas são como chamas — simples sinais de combustão. A beleza começou por ser uma explicação que a sexualidade deu a si própria de preferências provavelmente de origem magnética. Tudo é um jogo de forças, e na obra de arte não temos que procurar 'beleza' ou coisa que possa andar no gozo desse nome. Em toda a obra humana, ou não humana, procuramos só duas coisas, força e equilíbrio de força — energia e harmonia».
A poética permanentemente inquieta de Álvaro de Campos vai beber ainda, por um lado, ao lirismo urbano de Cesário Verde, como no Opiário, e, por outro, nomeadamente nas Odes, desarticula por completo as prosódias tradicionais, num verso livre, por vezes libérrimo, que se desconjunta tanto cerebral, como emocionalmente, como que para abarcar a maior carga possível da realidade e dos seus ritmos, nas suas contradições, nos seus desafios e nas suas angústias. Vasco Graça Moura
Detalhes do livro:
Editora: Planeta Agostini, 2002; Colecção: Os Grandes Clássicos da Literatura Portuguesa; med.: 16 x 23,7; 195 pg. (capa dura c/ sobrecapa)