Marginália

Uma denu´ncia da guerra como acontecimento destruidor, na~o das grandes civilizac¸o~es documentadas, mas dos pequenos mundos sem testemunhas.

Uma denu´ncia das grandes narrativas totalizantes que, sob o peso do mundo futuro que julgam ter avistado e se propo~em realizar, pisam e esmagam os pequenos relatos para sempre ignorados de que sa~o feitas as vidas das pessoas comuns esquecidas da histo´ria universal, essa grande narrativa silenciadora, e cujas vozes acabam sempre devoradas pela boca dos grandes discursos.

Uma denu´ncia, portanto, dos totalitarismos diege´ticos e dos historiadores, filo´sofos, poetas e comandantes de impe´rios que lhes servem de eco. Uma histo´ria de pessoas comuns que, fugindo de duas ditaduras, sa~o apanhadas pelo prelu´dio da Segunda Guerra Mundial.

Uma histo´ria secunda´ria escrita a` margem da histo´ria principal, uma histo´ria lateral escrita a` margem da histo´ria central, uma histo´ria marginal escrita nas margens da histo´ria universal: nas margina´lias da histo´ria universal. Emoldurando o romance, os dois grandes totalitarismos do se´culo XX - o comunismo e o nazismo - servem aqui de contraste, litera´rio e filoso´fico, entre o maiu´sculo e o minu´sculo, entre a totalizac¸a~o e o destroc¸o, entre a enciclope´dia e a margina´lia: entre duas grandes narrativas pretendendo criar, uma, um Homem Novo e, outra, um Homem Puro - e o pequeno relato das vidas breves de duas meninas em fuga delas. Duas ditaduras narrativas em oposic¸a~o a duas meninas sem voz. Porque todos os totalitarismos poli´ticos comec¸am sempre como totalitarismos diege´ticos.

Uma histo´ria universal que, segundo os anais da Histo´ria Universal, nunca aconteceu. Como contar, afinal, uma histo´ria que, de acordo com a Histo´ria, nunca aconteceu?