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«Curioso percurso, o desta alegoria inventada para criticar o estalinismo e invocada ao longo de décadas pelos ideólogos democráticos, e que oferece agora uma descrição quase realista do vastíssimo sistema de fiscalização em que passaram a assentar as democracias capitalistas.
A electrónica permite, pela primeira vez na história da humanidade, reunir nos mesmos instrumentos e nos mesmos gestos o trabalho e a fiscalização exercida sobre o trabalhador. Como se não bastasse, a electrónica permite, e também sem precedentes, que instrumentos destinados ao trabalho e à vigilância sejam igualmente usados nos ócios. É graças à unificação de todos os aspectos da vida numa tecnologia integrada que a democracia capitalista pode realizar na prática as suas virtualidades totalitárias. O Big Brother já não é uma figura de estilo — converteu-se numa vulgaridade quotidiana.
O facto de este livro continuar actual, apesar da erosão interna dos regimes estalinistas e da sua derrocada final, mostra que a História não segue em linha recta mas em elipses, quando não desenha até labirintos. São múltiplos, os percursos que unem as várias modalidades do capitalismo; e as formas mais totalitárias são hoje prosseguidas e agravadas pelo neoliberalismo, a pretexto da libertação dos mercados.» João Bernardo