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«Arrojado para o lado da estrada e parado no meio do nada, toda a poeira levantada ao redor de si, parecia voltar a encurralá-lo na sua infância onde se via sentado no chão, tremendo de medo e agarrado aos joelhos, ficando à mercê das concupiscências e sevícias dos pica-chouriços. Conseguia ouvir os clamores da sua pequena irmã fechada no quarto, débil e vulnerável às manzorras do sujo pai. Deste, que desde sempre conhecera entorpecido e bêbado, ecoavam-lhe na cabeça os berros seguidos de vergastadas de fúria e o desprezo a que era votado. Via nitidamente a imagem da mãe a ser insultada e violentada pelo homem a quem chamava de verdugo e observava-se a si próprio a preparar-se para acabar com ele. Recordava o primo morto, ao mesmo tempo que lhe assomavam à cabeça as enxovias, o oceano, o sangue da parteira espirrado sobre o corpo despido de Laura no meio do violento oscilado do navio. Ali estancado, vinha-lhe à boca, o gosto do seu próprio sangue misturado com o dos outros, esparramados pelo chão da cabine. Ouvia os cânticos e os trovões da guerra entre os esgares e estertores da morte. Ecoava-lhe nos ouvidos o embate do comboio, triturando Venâncio e Maurício dentro do Buick e, da derrapagem das rodas do Jeep na estrada, chegou-lhe o cheiro esturricado dos gritos do Fernando & Alfredo, misturado com o odor nauseabundo da cabeça do Xico Coveiro, exposta por cima da entrada da sua fazenda. E se todos estes martírios não fossem já suficientes, tinha de começar agora também a viver com a agonia vergonhosa de ter sido apanhado pelas filhas, com as partes penduradas, e o cu de fora.»
(O livro é pesado)