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O que se passa por dentro das cabeças é mais importante do que o que se passa por fora? Falar de cabelos é sempre uma futilidade? Não necessariamente, até porque, segundo a narradora deste texto belo e contundente, «escrever parece-se com pentear uma cabeleira em descanso num busto de esferovite» e visitar salões é uma boa forma de conhecer países, de aprender a distinguir modos e feições e até de detectar preconceitos.
Esta é a história de uma menina que aterrou despenteada aos três anos em Lisboa, vinda de Luanda, e das suas memórias privadas ao longo do tempo, porque não somos sempre iguais aos nossos retratos de infância; mas é também a história das origens do seu cabelo crespo, cruzamento das vidas de um comerciante português no Congo, de um pescador albino de M’banza Kongo, de católicas anciãs de Seia, de cristãos-novos maçons de Castelo Branco - uma família que descreveu o caminho entre Portugal e Angola ao longo de quatro gerações com um à-vontade de passageiro frequente. E, assim, ao acompanharmos as aventuras deste cabelo crespo - curto, comprido, amado, odiado, tantas vezes esquecido ou confundido com o abismo mental -, é também à história indirecta da relação entre vários continentes - a uma geopolítica - que inequivocamente assistimos.