Sê o primeiro a adicionar este livro aos favoritos!
CONVERSAS (Contos dialogados)
Coelho Netto
Editores: Annuário do Brasil –—Rio de Janeiro
Seara Nova — Lisboa
Renascença Portuguesa — Porto
1ª Edição — Ano :1922
Páginas: 257
Dimensões: 180x125 mm
Peso: 237
IS 1543325890
Exemplar em bom estado. Tem os cadernos por abrir
PREÇO: 16.00€
PORTES DE ENVIO PARA PORTUGAL INCLUÍDOS, em Correio Normal/Editorial, válido enquanto esta modalidade for acessível a particulares.
Envio em Correio Registado acresce a taxa em vigor.
SIMPLICIDADE
— Tiro das tuas palavras o conceito que ellas suggerem.
— E qual é elle? Vejamos...
— É que em tudo quanto me tem ultimamente acontecido só vejo uma causa, uma única: minha bondade. Sou bôa de mais.
— És simples.
— Simples? Porque não dizes francamente: tola?
— Não; insisto no que disse: simples. Tens, como se costuma dizer, o coração na boca. A tua bondade transborda em ternura, mas essa bondade compromette pelo excesso e também por má applicação.
Um millionario que se puzesse á janella do seu palácio, entre cofres abarrotados de ouro, lançando moedas á rebatinha, seria tomado por doido e, desde logo, levado para um manicomio.
O que fazes com a tua excessiva ternura é tanto como isso. A bondade deve ser pesada na balança da ponderação, dando-se tanta quanta baste para que produza o beneficio desejado, A demasia permittirá, a quem a recebe, o direito de a julgar segundo a própria maldade.
És meiga, naturalmente carinhosa, incapaz de maltratar a quem quer que seja e, demais a mais, timida.
Tudo isto, que revela a perfeição da tua alma, concorre para expôr-te aos males que tens soffrido — desde a ingratidão até quasi a affronta e, entre taes extremos todos os abusos dos que, descobrindo a tua fraqueza sentimental, entram por ella causando-te os aborrecimentos de que te queixas.
Quanto mais precioso é o thesouro maiores devem ser os cuidados no seu resguardo.
Ninguém confia preciosidades a uma gaveta sem chave: guarda-as em cofre de ferro, com fechadura de segredo.
Deve-se ser bom, visto que a bondade é a expressão divina d'alma, mas com cautela.
A rosa não se nos nega, inclina-se toda na haste a offerecer-se, mas se a não colhemos com geito fere-nos com os espinhos.
Tu não recebes em tua casa, acolhendo-o na intimidade, ao primeiro transeunte que te bate á porta. E, se tens escrúpulos em dar entrada no lar ao estranho, como te abres em
sorrisos com uma criatura com quem pela primeira vez te encontras em um salão e tens com ella confidencias que são segredos de tua alma?
Se não consentes que violem as gavetas dos teus moveis, onde guardas fitas e enfeites, como expões abertamente a um estranho, cujo caracter desconheces, o que tens de mais intimo e precioso: a alma?
Fazes mal, arriscas-te a muito e o que tens soffrido dos ingratos, aos quaes tens acolhido com tanta meiguice, bem pôde ser um aviso da Providencia para que te ponhas em guarda contra os infames.
Affirmam os philosophos que a mulher é um ser enygmatico em cuja alma, que é como um labyrintho, quanto mais se aprofundam mais se acham confundidos. Esse labjrintho, minha amiga!, é a nossa única defesa.
Façamos como a aranha que tece o fio da sua teia, não para que sirva de guia, mas para que enlice e prenda.
Se dissermos o nosso segredo terrível perderemos a nossa força que é... nenhuma.
Sim, nenhuma. Nós somos como esses animaesinhos frágeis que, por não disporem de presas nem de garras, servem-se da astúcia e, com ella, conseguem vencer os mais poderosos.
O teu mal é a simplicidade. Caminhas entre inimigos completamente desarmada e, mais
ainda, denunciando as próprias fraquezas. Fazes mal. Sê mulher, quero dizer: sê maliciosa e subtil.
— Queres dizer: hypocrita e má...?
— Nem hypocrita nem má: vive como devemos viver.
— Transformando-me no que não sou...? Nasci assim...
— Nasceste assim... Ora, minha amiga. Nós nascemos nuas, nem por isso apparecemos na sociedade como entramos na vida. Pois se trajamos o corpo, porque não havemos de vestir a alma com aquillo que chamam>os discrição e enfeites de convencionalismo?
Nem todos os nossos pensamentos sahem em palavras porque se sahissem fariam eí;candalo. Compomos as nossas phrases de acordo com o circulo em que ellas têm de soar; vestimo-las, não é verdade? Tu, não. Ha phrases tuas que seriam despudores cynicos se não fossem ingenuidades. Não tens malícia e, como o pudor é filho da malicia, não havendo esta não pôde haver aquelle. Taes phrases, porém, que, para nós, as tuas amigas, são innocentes e encantadoras como crianças travessas, os estranhos interpretam maldosamente e de taes interpretações tens tido ultimamente as provas; e se não te corrigires quem sabe o que ainda poderá succeder!
falo-tç como amiga. Sou mais velha do que
tu e ando ha mais tempo nesse mundo complicado, cheio de enredos, entralhado de intrigas que se chama a sociedade, onde todos se festejam sorrindo, não por amizade, mas para que se lhes vejam os dentes. Arma-te, exercitate, deixa essa simplicidade...
— A minha pelle de burro, como a da historia...
— Não, a tua pureza infantil e lembra-te que vives entre feras. Sê astuta e prudente, pesa bem as palavras que disseres e pratica a bondade de modo que te agradeçam a generosidade, mas que te não chamem de tola nem tomem o impulso do teu coração por uma fraqueza do teu caracter. Sê bôa com altivez como o sol, que illumina lá de cima.